Entrevista a Gil Canha, cabeça-de-lista do PND às Eleições
Regionais antecipadas Gil Canha vê muito “oportunismo político” nas
candidaturas às Eleições Regionais de 29 de Março. O cabeça-de-lista do PND,
ex-vereador da Câmara Municipal do Funchal, aponta o dedo aos
“colaboracionistas do regime”, acusa-os de serem “heróis de última hora” e teme
uma “evolução na continuidade” com uma vitória do PSD-M no próximo ato
eleitoral. O ex-vereador e reconhecido ambientalista não antevê mudanças com a
chegada de Miguel Albuquerque à liderança dos social-democratas. Do
ex-presidente do partido, Alberto João Jardim, diz que o grande legado que
deixa na Região são “obras megalómanas” e “uma dívida colossal”.
Tribuna da Madeira (TM) – Porque motivo se candidatou como
cabeça-de-lista do PND [Partido Nova Democracia] às Eleições Regionais de 29 de
Março?
Gil Canha (GC) – Nós somos ativistas puros, é mais essa a nossa matriz.
Somos um grupo de pessoas que durante muitos anos lutaram contra o «regime
jardinista», que se consideram mais ativistas que políticos tradicionais.
Obviamente, para nós, as eleições são sempre um período de trabalho, mas temos
uma forma própria de fazer política, original até a nível do país, e fazemos
política com um certo desprendimento. Somos o único partido na Assembleia
Legislativa da Madeira [ALM] onde não há lutas por lugares, até porque fazemos
rotatividade de deputados, como aconteceu nas últimas eleições regionais. Isto
para dizer que não estamos à procura de um emprego político, como se vê agora
que a ditadura jardinista caiu. Agora o ambiente está mais livre, as pessoas
aventuram-se mais a fazer listas.
TM – É essa a explicação para a existência de
muitas candidaturas, o facto do ambiente político na Madeira estar “mais
livre”?
GC – Eu chamo a isto oportunismo político. Na altura em que a ditadura
era pura e dura, na época em que o leão rugia na Quinta Vigia, as pessoas
tinham medo. Nós sempre denunciámos esse regime musculado, fizemos queixas no
Ministério Público (e até a instâncias europeias) sobre a perseguição que
existia. Recordo que quando qualquer candidato pedia às pessoas que se
juntassem à sua causa elas diziam logo que não, porque tinham a prima, o filho
ou a sobrinha a trabalhar para Governo Regional [GR], ou seja, preferiram ficar
acomodadas e não tiveram uma participação política ativa. Esse foi o mal da
Madeira. Se os madeirenses tivessem participado na vida pública não estávamos
assim.
TM – Mas a existência de onze candidaturas a estas eleições antecipadas
é positiva para a democracia na Região?
GC – Na minha opinião, é bom para a
democracia haver uma panóplia de candidatos. Infelizmente, noto a existência de
muitas listas que são apenas puro oportunismo político, porque constituídas por
pessoas que nunca se manifestaram, nunca tiveram participação numa associação,
numa causa ambiental, numa manifestação ou até na elaboração de um artigo de
opinião num jornal, pessoas que eram colaboracionistas do regime.
TM – Está a
falar de candidatos que nunca concorreram a eleições na Madeira?
GC – Estou a
falar de candidaturas que apareceram repentinamente, quase por geração
espontânea. Não quero identificar uma a uma. O que se nota é uma multiplicação
de partidos a concorrer porque o ambiente abriu-se um bocado e as pessoas já
não têm tanto medo. O que vemos agora são heróis de última hora, que se
apresentam de peito descoberto e pêlo à vista. Efetivamente, já não existe o
perigo de antigamente. Antigamente, reconheço, havia muita dificuldade em
arranjar uma assinatura.
TM – O PND tem tido representação parlamentar na ALM
ao longo dos últimos anos, mas Gil Canha é agora o cabeça de lista da
candidatura. Se for eleito vai assumir o seu lugar de deputado?
GC – Nós, no
PND, fazemos rotatividade, normalmente entre os primeiros seis da lista, mas,
desta vez, penso que até vamos fazer uma maior rotatividade.
TM – Ou seja, vai
sentar-se no Parlamento.
GC – É para isso que estou a concorrer, mas a
rotatividade é a nossa matriz, como puderam constatar com a passagem de Rubina
Sequeira, Baltazar Aguiar, Eduardo Welsh e Hélder Spínola pela Assembleia
Legislativa da Madeira [ALM]. Nós quase já tivemos que sortear quem para lá
vai, porque as pessoas evitam ir para o Parlamento, mas agora já não tanto.
Antes éramos insultados, aquilo era duro porque o partido da maioria [PSD] tentava
sempre criar confusão. Foi nessa altura que também reagimos, respondendo com
uma alternância entre guerrilha e guerra convencional para baralhar, tal como
aconteceu no Vietname.
TM – É um estilo que pretendem manter na próxima
legislatura?
GC – Não, mas só se houver respeito por todos os partidos e o
ambiente na ALM for efetivamente democrático, sem os insultos que quase
chegaram à agressão física. Sabemos que aquilo era tudo para impedir as pessoas
de se expressarem. Houve insultos na ALM, que estão registados nas atas, que
são completamente obscenos.
TM – O novo líder do PSD-M, Miguel Albuquerque, já
prometeu que, se ganhar as eleições, o funcionamento da ALM vai ser diferente e
mudar para melhor. Acredita nisso?
GC – Conheci o dr. Miguel Albuquerque durante
muitos anos, enquanto fui vereador da oposição na Câmara Municipal do Funchal
[CMF], e tenho de reconhecer que é uma pessoa que sabe ouvir. Tiro-lhe o chapéu
nesses termos democráticos, mas devo dizer que – quando respeita a votações e
Miguel Albuquerque tem maioria absoluta – ele pode ser um político cruel. É um
homem que não se desvia um milímetro. Tive essa experiência na CMF, onde fiz
algumas propostas a que ele foi intransigente. Diria que Albuquerque é um meio
democrata, é uma figura híbrida, embora não tenha dúvidas que é muito mais
democrata que Alberto João Jardim.
TM – Há quem diga que Miguel Albuquerque
“tem a escola jardinista e que não vai fugir muito desse rumo”.
GC – Nisso
concordo em absoluto. É uma pessoa mais educada, mais polida, não recorre ao
insulto, responde bem a um debate político mais acalorado, mas é uma cópia
perfeita do dr. Alberto João Jardim no que respeita a proteção dos grupos
económicos, através do modo de atuação, compadrio e favorecimento. É uma cópia
fiel de Jardim, disso não há dívida nenhuma, mas em determinados aspetos é
muito mais liberal.
TM – O que vai o PND defender na campanha para estas
eleições?
GC – Temos observado que o PSD-M está a passar uma fase de grandes
dificuldades, o que é natural depois de 40 anos de governação, mas sabemos que
este é um regime que pode perdurar. Pode haver uma evolução na continuidade e
esse é o nosso receio. A Madeira é um barco que sempre andou de lado – onde as
pessoas foram para o bordo mais cómodo, para aquele onde havia menos ondas,
onde sofriam menos as intempéries – e para haver equilíbrio vai levar muito
tempo. Temos de reconhecer que a Oposição também tem falta de quadros. Olhamos
para todos os partidos e o PND, em termos de pessoas com formação, talvez seja
aquele onde há algum «know-how».
TM – Sente-se preparado para ser alternativa
de governação?
GC – Neste momento, o PND é um partido sem grande peso…
TM – É
um partido que não tem aspirações a governar?
GC – Sabemos a nossa própria
força, aquilo que valemos, e temos consciência que as condições
sócio-económicas e culturais da Madeira não permitem que um partido como o PND
alguma vez seja governo. Estas eleições servem essencialmente para escolher os
representantes do povo na ALM.
TM – O partido que ganhou as mais recentes
eleições legislativas na Grécia, o Syrisa, também era até há bem poucos anos
uma força política quase residual.
GC – É uma situação completamente diferente
da Madeira. O Syrisa foi crescendo nas sondagens e a própria conjuntura
permitiu que ascendesse na aceitação popular. Às vezes isso acontece. Também
sucedeu na Alemanha com o partido nazi. As grandes crises e o medo fazem com
que os partidos mais radicais cresçam e na Madeira, possivelmente, isso também
irá acontecer. Até admito que possamos ser surpreendidos de alguma forma, mas
não para governar.
TM – E voltando ao rumo que vai ser seguido pelo PND.
GC –
Durante muitos anos, no PND, tivemos uma luta terrível contra o poder e, como
toda a gente sabe, fomos perseguidos em termos económicos, físicos e até
através de atos de terrorismo, com a contratação de cadastrados para nos
perseguir. Hoje isso faz-nos lembrar a queda do regime nazi, porque quando a
Alemanha foi vencida já ninguém tinha culpa, o único culpado era o [Adolf]
Hitler, ninguém tinha sido colaboracionista. Na Madeira também houve muitos
colaboracionistas, muitas pessoas que foram cúmplices do regime jardinista e
ainda permanecem no PSD-M. Nós estávamos a pensar passar para uma organização
cívica, mas vemos que o perigo continua, que o PSD-M apenas fez uma
metamorfose. Os governos jardinistas e o PSD-M criaram monstros que parasitam o
povo madeirense. É o caso da construção civil, que consideramos o complexo
militar-industrial que levou a Madeira para esta tragédia com a cumplicidade do
dr. Alberto João Jardim e da sua nomenclatura. A Madeira viveu direcionada para
o betão, com obras megalómanas, muitas delas estapafúrdias, obras que serviram
apenas para alimentar o complexo militar-industrial da construção civil.
TM –
Continua a existir esse risco?
GC – Há obras sem qualquer inutilidade e onde se
gastaram verdadeiras fortunas, como piscinas, centros cívicos e parques
empresariais. Um exemplo é o próprio Porto Santo, onde vemos recursos públicos
a se degradarem. O «lobby» da construção civil abafou tudo e Alberto João
Jardim alimentou um monstro que quer continuar a comer. Notamos isso nas obras
da frente-mar do Funchal, mas há uma
obra-escândalo que, se isto fosse um país civilizado e desenvolvido, os
responsáveis estariam presos: a intervenção na Ribeira Brava. Se repararmos
bem, onde morreram mais pessoas no temporal de 20 de Fevereiro de 2010 foi nas
zonas altas do Funchal, onde os moradores ainda hoje continuam em zona de
risco, com ribeiros a serpentear à volta de casa, mas o dr. Alberto João Jardim
nunca se importou, nunca ninguém o viu lá levar um convidado, era sempre para a
freguesia da Serra de Água. Porque razão? Porque Jardim, já nessa altura, como
representante do complexo militar-industrial da construção civil madeirense,
sabia que ali podia fazer grandes obras e alimentar o monstro. Esqueceu-se das
pessoas para fazer obras megalómanas, ter dinheiro para o futebol profissional,
alimentar o Jornal da Madeira e fazer propaganda permanente, ganhando eleições
com inaugurações numa terra que sempre viveu do turismo, o que era uma coisa
completamente absurda, enquanto as pessoas foram empurradas para a periferia do
Funchal, como se jogadas para debaixo do tapete, foram viver para zonas de
risco, em arribas instáveis e junto a linhas de água perigosíssimas. Essas
pessoas permanecem lá, depois do 20 de Fevereiro o regime foi lá fazer obras de
cosmética, e continuamos a ver linhas de água que seguem pelo meio de casas e
jardins. É claro que perante uma nova intempérie, como é provável, há moradores
das zonas altas do Funchal que estão em risco. Já na Ribeira Brava, se vermos
bem, a obra foi de 60 milhões. No fundo são seis, sete casas. O vale da Ribeira
Brava destruiu foi casas que foram feitas no leito da ribeira e as que restavam
agora são poucas, talvez umas sete ou nove. Aquela obra, na nossa opinião,
marca bem a loucura que foi o governo jardinista. O problema para resolver foi
de seis ou sete pessoas. Para isso destruiu-se um dos vales mais bonitos da
Madeira e, pior ainda, pôs-se em perigo agora a vida das pessoas na Ribeira
Brava. Aquilo foi uma obra mal pensada, foi uma obra que destruiu um recurso
que era importante para a Madeira, e não vai resolver nada. Está feita ali para
alimentar os grandes grupos, as grandes empresas de construção civil.
TM – É
esse o grande legado que Alberto João Jardim deixa, obras megalómanas e uma
dívida…
GC – Uma dívida colossal, o que é pior ainda, além de deixar este
monstro da construção civil que há imensa dificuldade em alimentar porque não
vai haver dinheiro. O dr. Alberto João Jardim pediu agora mais 320 milhões de
euros, aumentou a austeridade para mais um ano, para aproveitar esse dinheiro
para desbaratá-lo, satisfazer as suas clientelas antes de ir embora. Um grupo
que nos preocupa bastante e também uma das grandes razões pelas quais nós nos
vamos candidatar é o Grupo Sousa. Neste momento, controla a economia da Madeira
e é um grupo altamente protegido pelo dr. Alberto João Jardim, pelos dirigentes
do PSD-M e do regime jardinista, que protegeram sempre o Grupo Sousa. O grupo
empresarial é armador e controla as mercadorias vindas para a Madeira, é o
operador portuário que as descarrega, é quem transporta e é quem faz a
distribuição. O Grupo Sousa tem um sector importantíssimo, o das importações,
porque a Madeira não vive nada sem as suas importações, que está aqui
controlado por um grupo monopolista. E não paga um tostão pelos portos em que
exerce a sua atividade, com um favorecimento absurdo. Se fosse um país
desenvolvido havia responsáveis que estavam presos. Nem na Sicília acontece o
que se passa aqui na Madeira.
TM – Miguel Albuquerque também já falou em
mudanças no sector dos transportes. Acredita que venham a acontecer?
GC – Não
acredito. O dr. Miguel Albuquerque protegeu o Grupo Sousa, deu-lhes a Rua do
Varadouro onde fizeram um restaurante que era tudo montado na via pública,
ia-lhes dando a Rua da Praia, protege os grandes grupos como o Grupo Sousa e o
grupo do senhor Jaime Ramos. O que aconteceu no PSD foi um golpe de Estado do
senhor Jaime Ramos, que viu que o dr. Alberto João Jardim já era uma letra
vencida e já estava a cansar e fez um golpe de Estado. O dr. Miguel Albuquerque
é um representante de Jaime Ramos. Quando estava na Câmara, assisti muitas
vezes à pressão que o senhor Jaime Ramos fazia na CMF. Havia sempre grandes
influências. E o dr. Miguel Albuquerque abria sempre as portas ao senhor
António Henriques, ao senhor Jaime Ramos, à Tecnovia… Os defeitos que apontam
ao dr. Jardim, o dr. Miguel Albuquerque tem todos.
TM – Há pouco disse que
temia que o “regime” pudesse aguentar-se por muito mais tempo. A culpa é da
Oposição, devido ao falhanço de possíveis coligações?
GC – A culpa não é da
Oposição, a culpa é do povo madeirense que meteu todos os ovos no mesmo cesto.
Deu no que deu. E quando nós, de facto, precisávamos de uma alternativa séria e
credível, apanhamos pessoas como o senhor Victor Freitas, do PS-M, que
reconhecidamente não tem capacidade técnica para assumir o Governo da Região.
Ele próprio não consegue liderar o que aconteceu na CMF, o que está a acontecer
na autarquia do Porto Santo, enfim, dentro do próprio partido. É uma pessoa que
não nos dá confiança política, confiança técnica e moral para estar à frente do
GR. Havia pessoas dentro do PS com capacidade para fazer esse papel.
TM – Se
não houvesse essa intransigência do líder do PS, o PND estava disponível…
GC –
Sim. Achámos uma coisa completamente egoísta [da parte de Victor Freitas]. As
pessoas têm de reconhecer as suas limitações, isso é também um sinal de
inteligência.
TM – Houve realmente interesse do PND numa coligação?
GC – Sim, e
fizemos uma grande pressão para haver outro candidato do PS, porque havia, o
partido tem bons candidatos que podiam liderar aquela lista, mas o senhor
Victor Freitas agarrou-se como uma lapa. Foi pena. Podíamos ter aqui um grande
projeto para fazer frente ao PSD.
TM – Nesse sentido, como é que vê o
comportamento do CDS? O CDS também esteve disponível para participar numa
coligação, desde que o cabeça-de-lista não fosse o líder de nenhum dos maiores
partidos.
GC – Conhecendo a matriz do CDS, e a sua maneira de atuar, também não
sei se eram palavras sinceras. Se calhar o senhor José Manuel Rodrigues
conhecia a arquitetura psicológica de Victor Freitas e fez essa proposta porque
sabia que não ia passar. Nós, o PND, tentámos juntar todos os partidos
pequenos, mas o PS já os tinha capturado e as pessoas que deles fazem parte
estavam com receio de perder o lugar que têm na ALM. Se perde, perde! Se o povo
madeirense acha que é importante o PND estar lá, está lá; se não for
importante, vai embora. Dentro do PND toda a gente tem as suas profissões,
ninguém precisa da política para viver.
TM – Não precisam do chamado «tacho».
GC – O chamado tacho. Eu estive na CMF [como vereador com pelouro] e tive o meu
ordenado penhorado por pessoas do PSD e determinados grupos económicos, devido
a ações [judiciais] de quando fazia parte do [jornal] «Garajau». Eu estava ali
para tentar ajudar. O nosso partido não tem essa matriz, o medo de perder o
tacho. De facto, houve partidos (e muitos deles até com bastante força) que
ficaram com medo e juntaram-se ao PS para mudar alguma coisa.
TM – Mas, no
fundo, qual era a vossa ideia?
GC – Achávamos que se os partidos pequenos se
unissem – os que estão fora desta governação dos últimos 30 anos do país, os
que estão fora do chamado centrão – podíamos ter alternativa séria.
TM – Capaz
de fazer o PSD-M perder o domínio da ALM?
GC – Era-lhe mais complicado
[ganhar].
TM – Então foi uma oportunidade perdida?
GC – Foi uma oportunidade perdida,
mas o PND fez os esforços todos. Notámos que houve um certo egoísmo, pessoas
que pensam ser os heróis do momento, que antes andavam pela sombra e agora são
uma espécie de Syrisa da Madeira. Julgam, porque tiveram algum apoio no
passado, que agora vão disparar a nível eleitoral. Esse individualismo feroz
dos partidos, e o buraco negro que foi o PS-M ao atrair aquelas forças
políticas, também causou um prejuízo que agora dá grande força ao PSD. Não digo
que o PSD possa vir a ter maioria absoluta, mas se a tiver, de facto, as
pessoas têm de começar a pensar o que as maiorias absolutas fizeram à Madeira
nestes últimos 40 anos.
TM – A sua passagem pela CMF ficou marcada por medidas
que causaram alguma polémica e culminaram na sua saída da vereação. Essas situações
ocorridas poderão prejudicá-lo nestas eleições ou bem pelo contrário?
GC – Quem
me derrubou na CMF foram os grupos económicos. O dr. Jardim vai embora mas
deixa toda aquela estrutura, grandes grupos económicos que estão agarrados aos
seus privilégios e não querem perder. Quando eu estava na CMF comecei a
cair-lhes em cima. As questões relativas a esplanadas foram um álibi que a
liderança socialista da câmara inventou.
TM – Acha que os madeirenses estão
mais abertos ao discurso político do PND?
GC – Sim, as pessoas viram estávamos
a fazer um bom trabalho e que houve forças mais poderosas que foram visíveis.
Tivemos um cerco na CMF pelo Grupo Sousa, tivemos pessoas ligadas a grupos
económicos a fazer pressão constante na autarquia e os madeirenses aperceberam-se
disso. Aliás, agora cada vez se apercebem mais. Reconheço que isso é uma mais
valia. Os madeirenses viram que tínhamos a vela para fazer o barco andar e que
nos cortaram a vela.
TM – Nota uma reação diferente por parte das pessoas
quando o abordam na rua?
GC – Sim. No princípio pensavam que brigávamos todos
[na CMF], que a gestão da autarquia era um saco de gatos, mas nunca houve ali
questões ideológicas, nem questões políticas. Nunca nenhum partido [da
coligação Mudança] chegou à CMF a dizer para fazer isto ou aquilo. A exceção
foi o PS. Os outros partidos que faziam parte da coligação nunca disseram nada,
nem andavam lá a fazer pressão para isto ou aquilo, a não ser o PS-M. A questão
foi puramente dos grupos económicos acostumados durante 40 anos a privilégios e
que de repente veem chegar alguém que diz um não, que diz que tem de haver
concursos públicos, que esses concursos não podem ser viciados como até agora,
que isto não pode continuar assim e tem de haver regras para cumprir. Foram
esses que começaram a fazer um combate, e conseguiram ganhar. As pessoas que
estavam à frente [da CMF] também tinham pouca experiência e capacidade
política, deixaram-se enrolar juntamente com a máquina do PS-M.
TM – O que está
a dizer é que tentou cumprir a lei na CMF e os “arranjinhos” é que estavam a
minar o funcionamento da autarquia?
GC – Também tenho de fazer um «mea culpa».
TM – Acha que entrou “a matar”?
GC – Não. Se há «Mudança» é para ser feita uma
mudança. E, pelo contrário, a matar entraram agora. Quando entrei os
funcionários da CMF estavam todos cheios de medo e diziam “xi, vem aí o Canha”,
mas sempre tratei bem a todos e não tenho razão de queixa dos funcionários da
autarquia. Agora já dizem que eles estão a sabotar o trabalho da CMF, mas eu
tinha super pelouros, era o vereador com mais pelouros e todos os funcionários
trabalhavam, nunca senti que houvesse sabotagem de alguém ligado a que partido
fosse. Se eu andei em cima dos grandes interesses e daqueles que prejudicavam a
cidade? Isso reconheço. Se eu fosse um político profissional, talvez
sujeitava-me, sei lá. Quando me pediram para desculpar, para não cobrar o
aluguer do Mercado dos Lavradores ao PS – no jantar da candidatura do Francisco
Assis, o que foi a gota para transbordar o copo – eu podia dizer «está bem,
tragam que eu assino» e estar ainda na CMF.
TM – Arrepende-se de alguma medida
que tenha tomado enquanto vereador na autarquia do Funchal? Se voltasse atrás
fazia o mesmo?
GC – Não, não me arrependo, voltava a fazer a mesma coisa. A
Madeira é uma terra pequena, a pressão social é maior, e moralmente não iria
conseguir olhar-me ao espelho ou encontrar uma pessoa na rua a dizer-me «tu
disseste isto e fizeste aquilo, não entravas em jogadas agora entraste em
jogadas, entraste em atos de corrupção». Na questão do jantar de Francisco
Assis, por exemplo, se eu aceitasse que a CMF perdesse os três mil euros do
aluguer do mercado, era menos três mil euros que serviam para ajudar uma
senhora idosa que tem uma casa com água a cair dentro ou que vivia em más
condições. Quanto a mim, tem que haver ética política. Isso não quer dizer que
uma pessoa não tenha uma certa flexibilidade, mas entrar em maus caminhos
nunca. Fazer isso é até um sinal de atraso.
TM – Salvo erro, foi essa a ideia
que Paulo Cafôfo deixou passar, que Gil Canha era muito intransigente.
GC –
Sim, tentou passar a ideia do facilitismo, de que eu facilitava pouco, mas esse
foi o tal álibi que serviu para desviar a atenção de outros assuntos que eram
mais importantes. Dizer que a CMF devia ser facilitista é o maior crime que se
pode dizer. Dou como exemplo o dos vendedores ambulantes de fruta. Eu não
concordo, e isto não é facilitismo é a realidade, porque temos o Mercado,
pequenos supermercados e pequenos mercados no Funchal que vendem legumes. Há
alturas dos produtos de época em que há necessidade de escoá-los – e por isso é
que se criou, e muito bem, os vendedores de fruta – mas em Janeiro e Fevereiro
não podem estar vendedores com bancas montadas em passeios. Há pessoas que têm
o seu supermercadinho, a sua pequena barraca de vender legumes, vendedores no
Mercado que pagam os seus impostos e depois têm uma concorrência desleal no
exterior. Não podemos ter vendedores ambulantes por tudo o que é sítio, com
cenários com luzes, e com uma cidade a cair de podre. É preciso ter muito
cuidado como se gere o espaço público. Mas isso foi tudo álibis. O que me levou
a sair da CMF foi, de facto, os grupos económicos, e a pressão do PS-M, que
também é cúmplice. Há determinados sectores que estão cúmplices e também
querem, de certa forma, fazer perdurar esses grupos económicos.
(Com a devida vénia ao Tribuna da Madeira)
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