O processo de contratação da empresa que irá auditar as contas da Câmara do Funchal em 2012 e 2013 teve um mau começo: ganhou quem apresentou a proposta mais cara, à reunião dos vereadores que analisou o procedimento chegou um relatório do júri que é diferente daquele que consta do ajuste directo, foi ocultada a contestação feita pelo concorrente que apresentou a proposta mais barata e o vice-presidente Bruno Pereira quis desfazer dúvidas dos vereadores da oposição com uma garantia que não correspondia à verdade. Hoje, pela terceira semana consecutiva, o assunto volta a estar em discussão na reunião da CMF.
O caso teve início na reunião camarária de 6 de Setembro, quando o vereador Gil Canha (PND) verificou que a autarquia voltava a escolher a KPMG para analisar as contas, "ainda por cima com um preço altíssimo (59 mil euros), o dobro do segundo concorrente, a BDO (28 mil euros), isto numa altura em que muitas famílias madeirenses não têm pão na mesa para dar aos filhos".
O relatório que chegou a essa reunião de vereadores explicava que a primeira decisão do júri fora a de atribuir o contrato à BDO, por ser quem apresentou o preço mais baixo, mas que após reclamação da KPMG, que invocou uma cláusula que prevê a exclusão de propostas com preço anormalmente baixo (40% abaixo do preço base), a adjudicação acabou por ser feita a esta última empresa. Na mesma reunião, Canha manifestou surpresa com o facto de no relatório não constar uma contestação da BDO à sua exclusão, pois, por lei, poderia justificar o preço anormalmente baixo, mas o vice-presidente Bruno Pereira garantiu que não houve qualquer resposta por parte da empresa preterida.
Crime, disse Gil Canha
Já na semana passada, o vereador do PND consultou o processo de ajuste directo nos serviços administrativos da CMF e descobriu um relatório final do júri diferente (com mais informações) daquele que chegara à reunião camarária: "De uma forma deliberada e ardilosa, que na minha opinião toma aspectos criminais, nomeadamente falsificação de documentos e dolosa falsificação de processo administrativo, foram retirados do processo todos os documentos referentes à defesa da BDO e sua argumentação jurídica". "Isto leva a crer que a Câmara do dr. Albuquerque não quer que haja mais alguém a ver as suas contas, o que nos leva a acreditar que as contas da autarquia poderão estar 'marteladas' e que a tão propagada boa saúde financeira não passa de um enorme 'bluff', alimentado pelo presidente da Câmara como paradigma na sua luta contra o descalabro das contas do dr. Alberto João", conclui Gil Canha.
Omissão foi lapso dos serviços
A desconfiança do representante do PND merece o repúdio de Pedro Calado, vereador com o pelouro financeiro na CMF, que o acusa de "má fé" e de "querer levantar um problemão" com um equívoco que poderia ter sido logo corrigido caso o tivesse informado atempadamente. O responsável executivo reconhece que houve um "lapso dos serviços", que enviaram à reunião camarária um relatório final que, afinal, era uma versão preliminar e que, por isso mesmo, omitia a contestação da BDO. Por se encontrar de férias, Pedro Calado não participou na reunião camarária em que o assunto foi analisado e como Bruno Pereira "não está por dentro" de todos os procedimentos concursais, acabou por ser induzido em erro.
Apesar de tudo, o vereador da área financeira garante que o ajuste directo decorreu com transparência e a "prova disso é que o vereador da oposição teve acesso a toda a documentação". Calado afirma que a sua grande prioridade é poupar custos na autarquia e que o contrato de auditoria só não foi adjudicado à empresa com o valor mais baixo porque a lei não o permite. Contesta qualquer intenção de beneficiar a KPMG e, a esse propósito, recorda que no âmbito deste ajuste directo foram convidadas a participar as cinco maiores empresas de auditoria do mercado. Porque pretendia ver dissipadas as dúvidas suscitadas, Pedro Calado decidiu suspender o envio do processo à Assembleia Municipal. Agora, porque entende que está confirmada a legalidade, a adjudicação da auditoria das contas municipais à KPMG regressa à reunião camarária.
Até João Rodrigues pediu explicações
A reunião camarária de quinta-feira passada 'aqueceu', com a confirmação de que havia documentos relativos à contratação do auditor de contas da Câmara que tinham passado ao lado dos vereadores aquando da primeira análise do procedimento, realizada na semana anterior.
Gil Canha, que foi quem denunciou o caso, foi a voz mais crítica. Os outros vereadores da oposição também não esconderam o seu espanto com a existência de dois relatórios finais do júri, com conteúdo diferente. O que já constituiu alguma surpresa foi a veemência com que o vereador João Rodrigues (PSD) exigiu ver a questão esclarecida. Uma posição que foi entendida por alguns dos presentes como sintoma de divergências entre a vereação social-democrata e que pode ser também interpretada como um sinal do posicionamento daquele autarca na corrida interna à liderança do PSD-Madeira, ou seja, alinhado com a candidatura de Alberto João Jardim e contra a de Miguel Albuquerque.