sábado, outubro 11, 2014

"Este processo está vivo. Está nas mãos dos denunciantes do PND, que o puseram a andar", disse Baltasar Aguiar.

Departamento Central de Investigação e Acção Penal considera que foram transgredidos, entre outros, os "princípios do equilíbrio orçamental, da transparência e da universalidade". DN teve acesso ao despacho de arquivamento

O Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) concluiu que da matéria de facto apurada relativamente à dívida oculta da Madeira (1,1 mil milhões de euros) , os secretários regionais do Plano e Finanças e do Equipamento Social, violaram, de "forma clara e inequívoca, pelo menos no período entre 2003 e 2010" e de modo "sistemático", um conjunto de princípios previstos nas sucessivas Leis do Enquadramento Orçamental vigentes naquele período.
Contudo, e de acordo com o despacho de arquivamento do processo a que o DN teve acesso, o MP conclui que, apesar de tudo, não há matéria crime, pois de acordo com a interpretação considerada "mais consentânea" (...) "não se pode dizer que o titular do cargo público, ao atuar como atuou, conduziu ou decidiu processo contra direito, na medida em que a solução por si encontrada, ainda que politicamente discutível e juridicamente rebatível, é suscetível de ser defendida também ela em bases normativas".
Portanto, "não houve crime de prevaricação", "nem a intenção de prejudicar ou beneficiar alguém", como ainda não se conclui que tenha causado prejuízo aos Estado Português, muito menos documentação falsificada. Esta semana, a PGR informou do arquivamento deste processo, aberto em 2011, e designado "Cuba Livre".
Baltasar Aguiar, líder do PND, confirmou, esta sexta feira, que os dirigentes do partido vão constituir-se assistentes e pedir a abertura da instrução do processo 'Cuba Livre"sobre a dívida oculta da Madeira, e que envolve encargos assumidos e não pagos no valor de 1,1 mil milhões de euros, cujas faturas relativas aos anos de 2003 a 2011 não foram reportadas.
"Este processo está vivo. Está nas mãos dos denunciantes do PND, que o puseram a andar", disse Baltasar Aguiar. O advogado recorda que o PND, apesar do processo-crime aberto pela PGR em setembro de 2011, avançou no mês seguinte com um processo crime contra Alberto João Jardim e outros governantes.
"Mesmo só com a matéria dada como provada no inquérito está clara a existência dos crimes de prevaricação e falsificação, afirmou. Os restantes partidos da oposição pedem para os madeirenses fazerem "justiça" nas urnas nas próximas legislativas regionais, 2015.
O DN teve acesso à cópia do despacho de arquivamento produzido pelo DCIAP. Um documento, de quase 200 páginas, que confirma que as faturas, no âmbito da Secretaria Regional do Equipamento Social, eram registadas no sistema informático designado por "CORESP", o qual estava associado a outro sistema informático utilizado pela mesma secretaria regional, o "CAFEBS". Sucede que foram executados e faturados trabalhos, sem que para os quais tivesse sido prevista dotação orçamental suficiente. No que diz respeito ao acompanhamento da situação existiam relatórios que o responsável pela pasta tinha conhecimento. Sucede, ainda, que "desde data não determinada" mas pelo menos a partir de 2003 e até 2010, "ano após ano, e com particular incidência em 2003 e 2004, que "os membros do governo regional aprovaram um grande conjunto de obras públicas sem se assegurarem ou garantirem que aquela região (Madeira) dispunha ou iria dispor de recursos financeiros para pagar tais obras". Neste aspeto, a investigação conclui que tanto o secretário regional do Equipamento Social, Luís Santos Costa, entretanto aposentado após a extinção do departamento, bem como o atual secretário das Finanças, Ventura Garcês, disponibilizaram-se para implementar a realização desse vasto leque "sabendo que se poderia gerar uma situação de insustentabilidade orçamental".
Com efeito, no período compreendido entre 2003 e 2010, o arguido Luís Santos Costa propôs para aprovação 201 empreitadas a realizar no âmbito da Secretaria que tutelava (obras públicas) superiores a 1,1 mil milhões de euros, tendo as mesmas sido aprovadas pelo secretário das Finanças, sabendo de antemão que as receita inscrita nos orçamentos era "insuficiente" para suportar todas as despesas. O relatório do DCIAP aponta ainda a sobrevalorização da previsão das receitas "criando a aparência, junto das instâncias de controlo, de que o orçamento estava equilibrado". Uma situação que veio dar origem a uma execução orçamental em cerca de 75,5% conduzindo a desvios anuais que variaram entre 206 milhões e 521 milhões de euros, e um desvio acumulado de 3,1 mil milhões.
Refere-se ainda a sobrevalorização da receita com "assinalável predominância" na que resulta das transferências comunitárias, decorreu ao instrumento do overbooking (mais obras do que receitas).
Para resolver a situação de falta de liquidez resultante da realização de despesa para a qual a região não dispunha de recursos financeiros, "a para poderem continuar com o mesmo procedimento, os secretários regionais do Equipamento Social e do Plano e Finanças, socorreram-se do factoring, titularização de créditos que veio a ser consubstanciada na designada "Operação Pérola" em 2005 - realizada com a sociedade de titularização de créditos "Tagus", do Grupo Deutsche Banka - e da obtenção de financiamento através do Programa Pagar a Tempo e Horas (PPTH) em 2008. Relativamente ao factoring (recurso ao financiamento bancário) - a banca substitui-se ao Governo da Madeira pagando de imediato a divida administrativa aos credores, "fac à manifesta incapacidade daquele para satisfazer os encargos assumidos".
Estes contratos implicavam custos para as empresas (juros) mas que estas compensavam com os juros de mora reclamados ao Governo Regional pelos atrasos do pagamento da dívida. A obtenção deste financiamento requereu sempre declarações de dívida emitidas pelos referidos secretários regionais.
No período em causa foram identificadas 539 declarações no valor de 700 milhões de euros.
Na operação Pérola renegociação de um conjunto de créditos comerciais, o montante atingiu 151,3 milhões de euros correspondentes a faturas por liquidar e autos de medição de trabalho que 11 empreiteiros detinham sobre a região. A dívida em causa relativa a empreitadas adjudicadas, apesar da titularidade ser emitida em 2005, a maioria das faturas são referentes a trabalhos realizados em 2003 e 2004.
Em 2006 o Ministério das Finanças entendeu que com esta operação a Região Autónoma tinha aumentado o seu endividamento liquido em 199,6 milhões de euros violando a lei do orçamento do Estado de 2005, pelo que aplicou a sanção de reter aquele montante nas transferências que a região teria direito a receber nos anos subsequentes. Uma decisão que foi suspensa pelo Tribunal Administrativo e Fiscal da Madeira, na sequência de uma providência cautelar requerida pelo governo regional.
Com a imposição do Decreto-Lei de Execução Orçamental datado de 2008 o reporte os encargos assumidos e não pagos passou a ser obrigatório e inequívo. No que diz respeito ao INE esta informação era efetuadas para efeitos de Procedimento de Défices Excessivos junto do Eurostat, informação a transmitir pela DGO à Direção Geral do Tesouro e Finanças.
Acontece que entre 2003 e 2010 os secretários regionais do Plano e Finanças e do Equipamento Social "para conseguirem realizar todos os projetos da obra" aprovados pelo governo regional, "sem disso serem impedidos pelos órgãos de controlo, resolveram que não se inscrevesse nas informações prestadas a despesa constante de faturas e autos de medição aceites, não paga bem cabimentada", evitando assim qualquer registo na plataforma CAFEBS.
Recorde-se que em Setembro de 2011, num comício de pré-campanha para as eleições regionais de 2011, Alberto João Jardim admitiu não ter sido transparente nas relações com a República ao não reportar despesas assumidas e não pagas, simplesmente para não prejudicar a região.
"Não era aconselhável que mostrássemos o jogo todo porque senão o governo socialista, que não era sério, tirava-nos o dinheiro todo e nós estávamos em estado de necessidade. Por isso, agimos em legítima defesa", referiu. Neste comício Jardim disse, ainda, que esta discussão em torno da dívida da Madeira estaria a "beneficiar" Pedro Passos Coelho com a onda de críticas à dívida da Região, que na prática "desviam as atenções dos portugueses das medidas duras que estão a ser tomadas no continente".

(Com a devida vénia ao Diário de Notícias)

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