Actual secretário regional das Finanças e antigo secretário do Equipamento Social entre os cinco arguidos ilibados pelo Ministério Público.
Três
dirigentes regionais do PND vão, por discordarem do despacho de arquivamento do
inquérito à ocultação de dívidas da Madeira, requerer a abertura da instrução
do processo.
“Só com a matéria dada como
provada no inquérito está clara a existência dos crimes de prevaricação e
falsificação”, declarou esta sexta-feira o advogado Baltazar Aguiar. Este
dirigente do PND criticou o facto de o Ministério Publico não ter constituído arguidos
mais membros do governo regional que, de 2003 a 2011, aprovaram “contas
falsificadas” e ocultaram encargos assumidos e não pagos, e, particularmente, o
seu presidente, Alberto João Jardim, o “pai” e “verdadeiro autor moral"
dos 1,6 mil milhões de euros de dívidas escondidas.
Notificados na qualidade de denunciantes, os dirigentes do PND
Baltazar Aguiar e Gil Canha e o deputado regional Hélder Spínola, uma vez
constituídos assistentes, terão agora o prazo de 20 dias para apresentarem ao
juiz de instrução competente as razões, de facto e de direito, de discordância
relativamente ao despacho de arquivamento exarado pela procuradora da
República, Auristela Gomes Pereira, a 15 de Setembro.
No
âmbito do processo tinham sido constituídos arguidos, por haver suspeita da
prática de factos e crimes objecto de investigação, o ex-secretário regional do
Equipamento Social, Luís Santos Costa, o actual secretario do Plano e Finanças,
Ventura Garcês, a directora do Gabinete de gestão e Controlo Orçamental, Amélia
Gonçalves, o director de Orçamento e Contabilidade, Ricardo Gouveia Rodrigues e
a director de Serviços do orçamento e Conta, Dulce Feliciana Veloza.
O
inquérito conduzido pelo Departamento Central de Investigação e Acção Penal
(DCIAP), cuja abertura foi anunciado pelo procurador-geral da República em
Setembro de 2011, teve por objectivo o apuramento de eventuais
responsabilidades na ocultação de dividas da Madeira. No entanto, a
investigação circunscreveu-se aos encargos assumidos e não pagos apenas pela
Secretaria do Equipamento Social (SRES), entre 2003 e 2010, e à elegibilidade
da região para efeitos do programa Pagar a Tempo e Horas, de que
estaria excluída se não omitisse o facto de ter ultrapassado o limite de
endividamento.
O
despacho de arquivamento, a que o PÚBLICO teve acesso, concluiu que foram
executadas e facturadas obras sem que para as quais tivesse sido prevista
dotação orçamental, ou sem que esta tenha sido suficiente, não tendo por isso
sido sempre possível cabimentá-los ou pagá-los. Nestas circunstâncias, a
factura era “exportada para o sistema informático e registada na situação ´por
classificar´”.
Segundo
o DCIAP, Santos Costa e Ventura Garcês disponibilizaram-se para realizar um
conjunto de obras públicas, que foram aprovados pelo governo no seu todo,
“sabendo que se poderia gerar uma situação de insustentabilidade orçamental”.
Para contornar a situação, “criando a aparência junto das instâncias de
controlo, de que o orçamento estava equilibrado”, o secretário das Finanças
procedeu à sobreavaliação da receita, para dar origem a uma execução orçamental
com um “desvio acumulado de, aproximadamente 3085 milhões”, Para além da
sobreavaliação da receita, Garcês inscreveu nas propostas de orçamento, entre
2003 e 2010, uma previsão de despesa que “não incluía toda a despesa já
contratualizada”.
Segundo
o Ministério Público (MP), o secretário das Finanças “esteve sempre ciente da
evolução da execução orçamental e da evolução da divida da SRES”, “inclusive do
valor das facturas não processadas nem pagas”, pois era “regularmente informado
pela directora” Amélia Gonçalves. Confirma ainda que os atrasos no pagamento às
construtoras das empreitadas contratadas, a partir de 2003, “geraram juros de
mora em valores muito elevados, que acresceram à dívida gerada”, num total
superior a 607 milhões (404 milhões apurados nos acordos de regularização de
dividas até 2010 e mais, pelo menos, 203 milhões, vincendos até 2017).
Aos
secretários do Equipamento e Finanças eram imputadas responsabilidades pela
ocultação destes encargos às instâncias de controlo, a qual “passou pela não
inclusão, na informação de reporte, dos encargos assumidos e não pagos de despesa não cabimentada”.
Tais encargos atingiram o valor global de 792 milhões de euros em 2010. Se não
ocultasse estes encargos, a Madeira “não seria elegível para efeitos do
programa Pagar a Tempo e Horas”,
através do qual o governo de Sócrates concedeu 265 milhões ao executivo de
Jardim.
Ao
viabilizarem e concretizarem a assunção desses encargos, Santos Costa e Garcês
“geraram um défice das administrações públicas superior ao que foi comunicado à
autoridade estatística e demais instituições europeias, com repercussões
negativas na imagem do Pais, credibilidade das suas contas e nas condições de
obtenção de financiamento externo, violando os princípios da estabilidade e
transparência orçamental”.
“Não
podemos deixar de concluir que a matéria de facto apurada indicia, de forma
clara e inequívoca, que os secretários das Finanças e do Equipamento Social,
pelo menos no período compreendido entre 2003 e 2010, de modo sistemático e
reiterado, violaram um conjunto de princípios previsto nas sucessivas leis do
Enquadramento Orçamental vigente naquele período, tendo violado, entre outros,
os princípios do equilíbrio orçamental, da transparência e da universalidade”,
frisa o MP.
MF não confirma prejuízos para o Estado
Curioso
que, passados dois anos após terem sido detectadas irregularidades na ocultação
de dívidas na ordem dos 1653 milhões de euros, o ministro das Finanças,
inquirido no processo, tenha informado em 2013 que “ainda não foram detectadas
situações que envolvam responsabilidade criminal, como ainda se não concluiu
que com a sua actuação a Região Autónoma da Madeira tenha causado prejuízos ao
Estado português”. Também ouvido no processo, um perito em contas públicas,
concluiu no seu relatório que da actuação dos dois secretario regionais
“resultaram prejuízos para o Estado português, quer os decorrentes da dívida de
juros, quer os resultantes da descredibilização das contas nacionais e,
portanto, do Estado português”.
Ilibando
os restantes membros do governo, que, “pese embora interviessem em toda a
aprovação das empreitadas”, “não lhes cabia programar e acompanhar a execução
física e financeira dos contratos”, o despacho não enquadra os factos apurados
no crime de prevaricação, por, excluindo a hipótese de dolo directo, considerar
que os referidos titulares de cargo político não intervieram “com intenção de,
por essa forma, prejudicar ou beneficiar alguém”.
Além
dos crimes de prevaricação e de violação das regras de execução orçamental, os
arguidos estavam indiciados pelo crime de falsificação de documentos, por
factos ocorridos entre 2008 e 2010. Relativamente a violação de regras
orçamentais, a incriminação foi afastada por o MP entender que não estavam
preenchidos todos os elementos que integram o tipo legal de crime. Quanto à
falsificação, ainda que tenha considerado verificados os requisitos objectivos
do crime, entendeu que não se mostrou provado o dolo específico, ou seja, não
se provou que os arguidos tivessem agido com o propósito de causarem prejuízo a
quem quer que fosse.
Na
sequência da descoberta do “buraco” de 1653 milhões nas contas públicas
regionais e do apuramento de uma divida superior a 6500 milhões de euros, a
Madeira foi submetida a plano de resgate que implicou uma subida média de 25%
nas taxas dos impostos e ao reforço de medidas de austeridade para os
madeirenses.