Entrevista a Gil Canha, cabeça-de-lista do PND
Gil Canha tem 53 anos, é licenciado em História e Ciências Sociais, ex-militar e actualmente empresário, esteve durante vários anos ligado à organização de defesa do ambiente Cosmos e a clubes de desporto-aventura e foi fundador do jornal satírico ‘Garajau’. Integrou, mais tarde, o Partido da Nova Democracia. Foi vereador na Câmara Municipal do Funchal, primeiro na oposição e depois, durante um curto período, como vereador com pelouro, eleito pela coligação ‘Mudança’.
Aceitou ser cabeça-de-lista do PND, porquê? Aceitei o desafio porque o partido precisava de uma nova dinâmica e a minha experiência na Câmara do Funchal ajudava. Estive muitos anos na câmara, na oposição e depois, no pouco tempo em que estive como vereador com pelouro, tive um papel mais visível. Foi por isso que aceitei ser cabeça-de-lista.
A experiência com a ‘Mudança’ acabou ser curta. Foi curta e marcou-me. Senti que poderia fazer muito mais coisas pela cidade. Não foi possível fazer mais porque se estou num barco a que retiram a vela e deixam-me com um remo, não posso desenvolver o meu trabalho. Também pensei que ficando como vereador sem pelouro poderia servir de alibi para muita coisa, diriam que era uma força de bloqueio e então, até em solidariedade com os outros colegas de vereação, renunciei ao mandato. Neste momento não me arrependo.
Essa situação foi uma das razões para o PND não integrar a coligação proposta pelo PS? Sim, porque se numa viagem curta, digamos daqui até Canárias, lançaram-nos borda fora, mas ainda conseguimos andar até à costa, numa viagem transatlântica desta natureza, como é governar a Madeira, se de repente o comandante nos mandar borda fora no mar alto... não há salvação.
Foi só essa questão? Não, nós continuamos a dizer que o senhor Victor Freitas não tem qualidades, nem capacidades, até técnicas, para ser presidente do governo e por isso não iríamos participar numa coligação achando que o cabeça-de-lista não tinha as condições que achamos que deve ter um presidente do governo.
O PND chegou a propor uma coligação com outros partidos? Uma coligação com os partidos mais pequenos, sem os partidos do centrão. Entretanto o PS já tinha lançado as suas raízes e as pessoas escolheram a melhor parte do barco para viajar e já não foi possível.
Acredita que a coligação Mudança vai ter sucesso? O PS, só por si, já poderia conseguir alguns resultados, mas se tivesse outro cabeça-de-lista, obviamente que poderia pôr em causa o próprio PSD. Foi com imensa mágoa que vi que não aconteceu como no caso da Câmara do Funchal em que todos os partidos recuaram e arranjaram uma figura consensual.
Essa figura existia? Existia, até dentro do PS. O dr. Carlos Pereira era uma hipótese. É uma pessoa com formação técnica e tem postura para desempenhar um cargo desta natureza. Não só no PS, mas noutros partidos, haveria pessoas prontas a encabeçar este projecto. Infelizmente não deu, nem tivemos resposta positiva dos outros partidos pequenos. Agora toda a gente se armou numa espécie de Syrizas e dizem que vão fazer uma revolução aqui na Madeira. É por isso que aparece esta panóplia de partidos.
Panóplia de partidos que pode ser favorável ao PSD? Precisamente, porque a oposição surge balcanizada, esfrangalhada. Mas isto acontece porque o dr. Alberto João Jardim era uma pessoa com uma personalidade forte, com uma democracia musculada, uma ditadura e as pessoas tinham medo. Ninguém conseguia que 94 pessoas integrassem uma lista de candidatos. Até os jornalistas, quando faziam um pequeno inquérito de rua, com uma pergunta mais delicada, as pessoas fugiam-lhes. O que há, agora, é o oportunismo de pessoas que nestes anos todos andaram sempre nos seus refúgios e se armam numa espécie de heróis. Quando precisámos de pessoas que nos ajudassem a denunciar este regime absurdo que nos levou a este buraco, estiveram 30 anos afastados.
No seu caso, na Cosmos e no PND, sofreu perseguições durante todos esses anos. Fomos perseguidos, queimaram o nosso património, perseguiram-nos fisicamente, fomos insultados, agredidos e cuspidos nas inaugurações do dr. Alberto João Jardim. Onde é que estavam esses revolucionários que aparecem agora como cogumelos? No fundo, vemos que aquilo que os move é arranjar um tacho. Percebemos isso, sobretudo numa altura de crise, mas o madeirense não vai estar sempre a suportar isto.
A dispersão de votos da oposição não vai ajudar o PSD, por exemplo, a conseguir uma maioria absoluta? Vai ajudar, por um lado, mas também pode prejudicar. É preciso não esquecer que o PSD atravessa um período de graça para o dr. Miguel Albuquerque, mas isso é passageiro. Mal tomou conta da liderança do partido, começou a notar-se um descontentamento porque ele não consegue alimentar todas as clientelas. Embora tenha feito um grande esforço para criar umas subsecretarias e dar mais tachos, notamos que há cada vez mais dificuldade para satisfazer toda a agente. Até apoiantes de Miguel Albuquerque já estão descontentes. Há muita gente, nomeadamente do dr. Cunha e Silva e do dr. Manuel António que ficou de fora.
O problema interno marca o PSD? Há um problema ainda maior. No tempo do dr. Marcelo Caetano - e o dr. Albuquerque é uma espécie de Marcelo Caetano - o Salazar tinha desaparecido da cena política e morreu logo a seguir. Aqui, o dr. Alberto João está sempre presente e é uma pessoa com capacidades enormes para arranjar problemas e causar prejuízos. O PSD está a passar dificuldades e isso irá abrandar a euforia e vai haver pessoas a querer votar noutros partidos, como já aconteceu antes.
Quais os objectivos eleitorais do PND? Esperam aumentar a representação parlamentar? Sinceramente, não nos preocupamos muito com essa questão da representação parlamentar. Se as pessoas querem que o PND continue a sua luta, muito bem. Não andamos a mendigar votos a ninguém. Fizemos várias acções contra o Governo, contra determinados projectos onde colocámos, sempre, preto no branco, a nossa assinatura e levámos as coisas até ao fim. Não ficamos por meias palavras nem por demagogia barata. As pessoas têm de saber se querem, ou não, um PND interventivo.
Quais as principais questões que o PND pretende debater? O nosso grande objectivo é combater os grandes grupos económicos. O regime jardinista está em agonia, mas esses grupos estão de pedra e cal. Grupos económicos que parasitam, completamente, o povo madeirense, porque há outros que até têm um bom papel social.
Quais são esses grupos? Um governo que foi construtor civil durante tantos anos, criou um monstro a que chamamos Complexo Militar da Construção Civil, à semelhança de União Soviética. Um monstro que absorveu todas as forças vivas. Outro grande grupo económico, que é outra das nossas frentes de combate, é o Grupo Sousa. Um grupo que neste momento é armador, controla a operação portuária, controla o transporte rodoviário e distribuição, além das energias alternativas e o gás natural. É um poder tentacular, parasita, que pouco emprego dá. Um grupo que cria imensos problemas.
Que outras propostas vai defender nesta campanha? Neste momento, esta dívida monstruosa que o dr. Alberto João nos legou é quase impagável e para podermos pagar e para libertar a carga fiscal que cai sobre os madeirenses, é urgente ter uma economia sustentada, como fizeram os Açores. Tratar bem os nossos recursos naturais, requalificar a paisagem, reabilitar os centros históricos. Há um ponto que consideramos muito importante que é o Centro Internacional de Negócios que infelizmente o dr. Jardim deu a uma entidade privada e criou bloqueios e problemas.
Defendem o regresso do CINM ao controlo público? Sim, regresso ao controlo público, para atrair mais empresas em melhores condições. Sem insultos e sem aquela agressividade a que o dr. Alberto João nos habituou, podemos ir a Lisboa e dizer que para pagarmos a dívida, têm de nos facilitar nestes pontos.
O PND nunca foi um partido que se limitasse à acção na Assembleia. Independentemente do resultado de 29 de Março, vão continuar com essas acções?Somos um partido de intervenção mas, sobretudo, um partido pragmático. Fizemos muito poucas propostas no parlamento porque iam para o caixote do lixo e não queríamos entrar numa espécie de masoquismo, ao estilo CDU. Num parlamento autista como o que temos, liderado pelo sr. Jaime Ramos, o que está tudo dito, era quase inglório apresentar propostas.
A próxima assembleia pode ser diferente? Sou um grande crítico do dr. Miguel Albuquerque, acho que tem os mesmos vícios do dr. Jardim e alguns até piores, mas tem uma diferença: é democrata e sabe ouvir. O problema é a fase seguinte, quando é para aprovar as propostas. No entanto, sem dúvida alguma que vai haver menos crispação, porque o dr. Albuquerque não tem o perfil do dr. Alberto João Jardim, é uma pessoa que irá amaciar o sistema. Agora, na parte dos grupos económicos, da corrupção, nas mesmas jogadas e maroscas, nos benefícios a determinadas clientelas, fez isso na câmara e vai continuar a fazer. Está no seu ADN.
Não vai mudar nada no PSD? É bom esclarecer as pessoas de que o que aconteceu no PSD foi um golpe de estado palaciano do sr. Jaime Ramos que meteu lá o dr. Miguel Albuquerque que sempre favoreceu os seus negócios e as suas empresas. Por isso é que dizemos que o PSD é a uma cobra que mudou a pele, mas a sua natureza é a mesma.
A campanha do PND vai manter a linha das anteriores? Vamos ter algumas acções, não com a exuberância do passado, porque as pessoas estão a passar por dificuldades. Vamos tomar mais cuidado nesse aspecto, mas o registo vai ser semelhante, com crítica dura, usando muitas vezes a sátira, porque se já nos roubaram tudo, não nos roubem o direito ao riso e à alegria.
Se for eleito vai assumir o lugar na assembleia? O nosso partido tem uma coisa curiosa, ao contrário dos outros, em que toda a gente briga por causa do lugar, no nosso caso é ao contrário. Até deitávamos às sortes para ver quem ia para o parlamento e por isso fizemos muita rotatividade. Antes de cair a ALM, o Hélder Spínola até queria ser substituído e quem ia entrar era o Dionísio Andrade. Vamos manter a rotatividade mas agora, se calhar, com esta abertura albuquerquista, talvez tenhamos uma assembleia mais digna e algum incentivo para participar. Até agora, ninguém queria ir para aquela assembleia para ser insultado pelo sr. Jaime Ramos e pela bancada do PSD e entrar na ditadura do presidente da ALM.
(Com a devida vénia ao Diário de Notícias - Madeira)
1 comentário:
Parabéns pela entrevista; muito lúcida, contundente e assertiva.
Grande abraço
Zé Maria Amador
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