Ex-deputada acredita que os madeirenses não são inocentes e “têm o que merecem”
Como começou a sua participação política, como entrou para esta aventura? Verdade, verdadinha... precisavam de mulheres para preencher a quota na listas. Eu andava ali juntos deles, porque era a sua advogada e puseram lá o meu nome.
Ou seja, o PND pôs a sua advogada na lista porque precisava de mulheres. Foi assim?Exacto. Eu andava dentro dos assuntos, porque tinha os processos deles nas mãos e comecei a interessar-me. É revoltante estar dentro dos processos, saber o que se passa por detrás disto tudo e não poder fazer nada.
Foi por essa empatia que entrou na vida política? Eu acho que é assim que as mulheres entram na política e na administração pública, porque estão muito afastadas das coisas. Perguntaram-me se queria entrar na lista e eu disse que sim.
Contava, sendo a terceira da lista, ir logo para a Assembleia? Claro que não, mas quiseram usar o elemento surpresa e funcionou assim. Não fui eu que acordei um dia e disse que queria ser deputada, não tinha esse sonho nem essa pretensão.
Foi uma presença na Assembleia diferente do habitual. Ainda bem, porque aquilo é uma promiscuidade gigantesca. Se foi diferente, fico feliz.
Para alguém que não tinha qualquer experiência política, a impressão que fica é a de que se adaptou rapidamente. Foi assim? Não foi fácil. Eu ia lá fazer uma coisa e logo no segundo plenário mudou tudo completamente. Eu ia para lá com as minhas utopias, com os meus ideais e ideologias e logo no segundo plenário percebi que afinal não ia lá fazer diferença nenhuma.
Era um voto em 47? Exactamente. Isso fez um ‘click’ na minha cabeça e percebi que tinha de mudar imediatamente a estratégia.
Essa estratégia que envolvia algum humor. Sim porque temos de prender a atenção das pessoas. O discurso redondo não funciona.
É utópico pensar que se pode mudar a opinião da maioria? Não vamos mudar e eu percebi isso rapidamente. Percebi que tinha de prender a atenção das pessoas e isso faz-se com ‘manchetes’. Também percebi que tinha muito pouco tempo de intervenção e não valia a pena estar a fazer discursos e ter a comunicação social a apanhar apenas o que queria. Tinha de usar chavões. O namoro com a comunicação social é muito perigoso e tinha de ser eu a passar a mensagem. Tive pouco tempo para aprender e tive de rentabilizar essa aprendizagem.
Isso foi uma coisa de semanas, porque passou a ter intervenções em todos os plenários.Mais uma vez, tinha de escolher uma intervenção por plenário, para tentar que fosse o que era aproveitado.
É ingrato para um deputado que fica sozinho numa Assembleia? Não, porque, em primeiro lugar, nunca me senti sozinha. Nós somos uma equipa. Somos um partido muito pequeno que tem a vantagem da proximidade entre as pessoas e em que é mais fácil atingir a unanimidade das opiniões. Isso também me aproximou de outros partidos pequenos, a chamada Faixa de Gaza.
Explicando aos leitores, PTP, PND, PCP, MPT e PAN ficam na última fila do plenário e por isso são a ‘Faixa de Gaza’. Exactamente. Nunca me senti realmente sozinha, porque tinha boas relações com esses deputados.
Teve um ano complicado na Assembleia, até foi alvo de insultos. Sim, mas a vida é tão engraçada... antes de entrar no parlamento estive com uma pessoa que é um mentor na minha vida que me deu o conselho mais sábio que recebi. Disse-me que uma senhora não tem ouvidos.
No seu caso foi preciso não ter, mesmo, ouvidos, porque foi alvo de insultos vindos da bancada da maioria. Todos os dias no parlamento usei aquele conselho. Eu saí e curiosamente alguns dos senhores que me insultavam continuam a insultar, dada a sua natureza, mas, agora, dentro do próprio partido. Estão a provar do próprio veneno. Agora até com queixas-crime.
Como vê tudo isso do lado de fora? Vejo isto e penso: bem feito! É tão bonito! O karma é uma coisa que também funciona na política.
Foi preciso ter uma carapaça forte para aguentar? Sim, mas quando consegues ter essa frieza é muito gratificante.
Uma das propostas que apresentou, um voto de louvor à rainha de Inglaterra, foi votada um ano depois. Aquilo surgiu de quê? Foi muito bem encaixado porque a senhora fez 60 anos de reinado e mereceu o voto (risos). Ironicamente, o presidente da Assembleia achou que deveria ir beber um cházinho [durante a votação]. E isso até pegou moda. Começou com o presidente do Governo que abandona o plenário quando lhe dá na cabeça, os secretários abandonam o plenário porque o presidente abandonou e a oposição também começa a abandonar o plenário. Agora, o presidente da Assembleia abandona o plenário quando nós apresentamos um voto à rainha de Inglaterra. O que era para ser engraçado passou a ser muito engraçado. Mais uma vez, a vida tem destas coisas. Ele poderia ter ficado lá dentro, até poderia ter brincado com a coisa, mas sai e dá a conotação irónica ao voto. Se não tivesse saído não tinha tanta graça.
Esse estilo de humor e guerrilha do PND tem resultados práticos? Sinceramente, gostava de dizer que sim, que o humor é a melhor forma de passar a mensagem.
Mas o humor não obriga a que o receptor seja inteligente? É mesmo isso que quero dizer, implica que o receptor tenha capacidade de receber a mensagem. Acho que vivemos num mundo em que as pessoas não querem receber informação. As pessoas têm a informação disponível e não querem recebê-la. Por isso, temos o que merecemos. As pessoas daqui têm o que merecem.
Ao fim de quase 40 anos, os madeirenses têm o que merecem? Têm o que merecem, sim. Não são inocentes, mas também não são inteligentes. O humor seria uma forma efectiva de passar a mensagem, mas não passa porque as pessoas não conseguem descodificar.
Qual é a razão para isso? Acho que o sistema embrutece as pessoas. Vão votando nos mesmos que mantêm as pessoas embrutecidas e fica tudo na mesma.
Isso não acaba quando acaba o dinheiro? Não acaba quando já não há nada para oferecer? Não sei, porque acho que isto já está enraizado como clubismo. Independentemente de haver dinheiro, ou não, independentemente do jogador, é cor de laranja e acabou.
Como é que se pode contrariar essa situação? Isto só parava com uma injecção na Educação. E isto é ao nível nacional. Pode parecer um lugar comum, mas acho que só vai por aí. Custa-me saber que a Educação é um sector onde podemos pensar em poupar ou gastar dinheiro, mais nada. Passa tudo por aí.
Voltando ao PND, como foi gerida a questão José Manuel Coelho? Sentiram-se traídos?Eu não posso falar pelo PND, eu representei o partido mas sempre como independente e até entrei depois de o José Manuel Coelho sair. Daquilo que posso perceber, as relações entre ele e o PND continuam a ser boas.
Admite voltar à Assembleia? Tenho muitas saudades de rir. Em todos os plenários ria até chorar. Mas é preciso ver que nenhum dos deputados do PND reincidiu, por isso não sei se vou voltar.
Naquele ano de Assembleia conseguiu um bom relacionamento com muitos deputados.Sim, as pessoas têm uma imagem muito negativa dos políticos, como têm dos advogados - eu estou nos dois lados - mas ao longo da minha curta vida política também conheci boas pessoas, bem intencionadas. Na administração pública não há só ladrões. Fiz boas amizades, inclusive no PSD. Na generalidade, há muita gente que está na vida política para controlar o dinheiro público, mas acredito que há excepções.
Como vê o momento actual da política regional, num ano de eleições autárquicas em que há quem admita que o PSD pode ter um mau resultado? Acredito que estas eleições vão ser um barómetro, não de popularidade dos candidatos para as eleições de 2015, mas um barómetro do QI da população. Estão a levantar uma falsa questão da popularidade dos candidatos e ouve-se muito falar, por exemplo, que o Paulo Cafôfo não é conhecido e que isso é mau. Isso é uma estupidez. O facto de não ser conhecido é uma mais-valia.
Por não estar comprometido? Por não ter rabos presos. Ninguém lhe vai pedir cunhas na câmara. Este candidato, para fazer as listas, está apenas condicionado a currículos e mais nada. Porque é que uma pessoa tem de ser conhecida, ter negócios e ser grande para cuidar da administração pública? Porque é que não pode ter raiz humilde?
É isso que vai estar em jogo? Sim, o que vai estar em jogo é escolher entre o grande, o conhecido, mas vazio por dentro e aquele que vem de baixo. Por isso acho que o que vai estar em análise é o QI do eleitor.
E o que espera que aconteça, os eleitores vão conseguir os mínimos nesse teste de QI? O problema é esse e tenho medo de ter razão e que tenhamos falhado na educação das pessoas este tempo todo. Mas a esperança é a última a morrer e eu tenho esperança nas pessoas.
Estas questões internas do PSD podem ajudar? Sempre me disseram que o PSD, se partisse era por dentro, porque a oposição nunca tinha estado unida. Agora temos, pela primeira vez, duas vantagens que é o PSD estar partido e a oposição estar, pela primeira vez, unida. Vamos ver se estas duas condicionantes juntas trazem uma Primavera.
Não receia que essa Primavera, usando a expressão internacional do momento, não poderá ser uma evolução dentro do PSD? Se for o PSD a ganhar as eleições, a evolução será na continuidade, não obstante acho que não há ninguém dentro do PSD tão esperto como Alberto João Jardim. Por isso, a minha preocupação diminui um bocadinho porque para mim o inimigo maior da democracia é, definitivamente, essa figura. É o político mais experiente no activo.
É isso que a preocupa? Eu não tenho nada contra o PSD, até acho que sociais-democratas somos todos um pouco. Preocupa-me é a falta de educação das pessoas. Venha quem vier, se não educar as pessoas, é um potencial inimigo da democracia. A evolução na continuidade só é um problema nesse sentido.
A oposição já deu garantias de confiança ao eleitorado? Já mostrou ter capacidade de governar? Antes de mostrar que tem capacidade de governar, está a mostrar capacidade de compromissos. A capacidade de governar tem de vir daí.
O PCP e o CDS ficaram de fora. O problema do PCP foi agarrar-se muito ao passado e mesmo assim houve uma grande divisão interna, mas ganhou o ‘não’. O CDS acho que está a testar a popularidade do José Manuel Rodrigues para as eleições de 2015. Acho que foi um egoísmo muito grande, não era altura para testar a popularidade de ninguém e acho que vão pagar por isso. Espero que paguem. Acho que uma coligação com o CDS e o PS ganhava. O CDS está a ser ganancioso e isso, em todas as religiões, é pecado. Na política também será.
Entrar para a política, mesmo reconhecendo que foi porque o PND precisava de mulheres, tornou-a uma figura pública. Estava preparada para isso? Teve algumas consequências. Estou condicionada a um sector muito pequeno de mercado, porque sou advogada. Segunda consequência, por estar no PND sou vista como uma fascista (risos). Tenho os meus bens materiais, que são poucos e se resumem a uma mota, danificados. A minha mãe preocupa-se muito com a vida dos meus irmãos porque acha que vão sofrer as represálias daquilo que estou a fazer. Quinta consequência, durmo tão bem com a minha consciência todos os dias. É a única que me preocupa. Sei que estou a fazer a coisa certa, que se lixem as outras consequências.
(Com a devida vénia ao Diário de Notícias - Madeira)