As políticas devem ser sempre a consequência de uma Política e de um projecto global que se tem para a sociedade. Quando as políticas não resultam de uma orientação ampla a política perde identidade, transforma – se em acção casuística e limita – se a responder ao imediato. Faltando uma Ideia para o país, uma noção para o papel do Estado e uma estratégia para a actividade do governo, os políticos olham a parte como se fosse o todo e o todo como simples soma das partes. É neste contexto que assume toda a importância o que se pensa sobre uma Constituição, seja ela um corpo de princípios que garante direitos e limita poderes ou um conjunto de normas que prescreve fins e define funções para o Estado. Querer uma Constituição mais neutra ou, ao contrário, totalmente interveniente na comunidade, não é indiferente ao modelo de sociedade em que se acredita e pelo qual se quer fazer política.
Considerar assim que o debate sobre a Constituição portuguesa é irrelevante, demonstra desconhecimento ou simples má fé. Nós não temos uma Constituição isenta, apesar da carga ideológica dela retirada nas revisões de 1982 e de 1989. A nossa Constituição é um programa de governo permanente que condiciona, limita, impede e proíbe a escolha de novos caminhos. Em Portugal, nas questões essenciais o voto popular é um mero ritual para garantir um rotativismo espúrio, porque na realidade quem perde nas urnas tem sempre na Constituição uma arma de arremesso para dificultar a vida a quem ganha. A prova mais evidente da relevância da Constituição está precisamente no facto da esquerda mais retrógrada e dos situacionistas, não quererem a sua reforma. Eles sabem que nenhum projecto sustentável de mudança pode ser ambicionado, se o principal factor de bloqueio político continuar exactamente na mesma. Por isso quando atacam a oportuna proposta de Passos Coelho e a sua determinação em alterar o texto da Lei fundamental estão apenas a tentar garantir a sua sobrevivência.
Não cabe à Constituição definir projectos para o futuro, tão pouco dar orientações ideológicas quanto à natureza dos impostos, ao modelo de representação eleitoral ou à forma de organização da economia. À Constituição deve competir o estabelecimento de regras claras, quanto ao relacionamento entre os poderes constituídos e a sociedade. A esta tem de sobrar autonomia e liberdade para se estruturar no plano económico e social, de acordo com a vontade expressa nos actos eleitorais. A democracia só será plena se não for previamente impositiva quanto ao modo, quanto à forma e quanto aos objectivos a alcançar pelos governos. O que se espera de uma Constituição é que garanta direitos, limite poderes e permita aos concorrentes políticos sem restrições a concretização das suas ideias, se o povo as tiver sufragado. Mudar a Constituição é, como bem sustenta o novo líder do PSD, uma missão que tem tanto de urgente, como de imprescindível à construção de um novo Estado. Está em causa libertar a sociedade e assumir que há democracia para lá do que a Constituição define, prescreve e impõe como regra democrática. Assumir esta linha de pensamento pressupõe dizer que os direitos e as liberdades dos cidadãos, num Estado verdadeiramente democrático, não existem só porque a Constituição os prevê e estipula. E pressupõe ainda permitir que as maiorias de governo não sejam eternas prisioneiras das maiorias constituintes. A soberania da Constituição será tão mais respeitada, quanto mais ampla for a soberania do parlamento porque é esta a mais fiel e actual interprete da decisão eleitoral. Quem desconfia e teme a liberdade do parlamento, e das maiorias nele formadas, desconfia do povo e inspira – se nas correntes que julgando as massas brutas e incultas, necessitam de quem as eduque e conduza.
Desconheço a orientação que Passos Coelho dará à sua proposta de mudança da Constituição. Admito até que fique muito aquém do que penso, mas o seu passo merece o meu apoio. É um princípio, um bom princípio, para o novo Portugal do séc. XXI.
Manuel Monteiro
(Com a devida vénia ao Blog A Revolta)
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