Tolentino de Nóbrega
O Tribunal Constitucional, em acórdão publicado sexta-feira no Diário da República, declarou a inconstitucionalidade da norma na qual o Governo Regional da Madeira se baseou para afectar à Sociedade de Desenvolvimento Ponta do Oeste (SDPO), uma empresa de capitais públicos, áreas do domínio público marítimo onde foi construída a polémica marina do Lugar de Baixo, na Ponta do Sol.
A jurisprudência constitucional agora reiterada pode influenciar a decisão da acção principal movida contra o complexo turístico da Quinta do Lorde, propriedade de uma empresa do Grupo Sousa, apesar de o Tribunal Administrativo do Funchal ter, no passado dia 9, declarado improcedente o processo cautelar que pedia a suspensão das obras daquele empreendimento de luxo na orla marítima de uma zona protegida da Rede Natura 2000.
Embora reconhecendo que "há aparência jurídica de duas ilegalidades invocadas", o juiz Paulo Gouveia concluiu que a eventual paragem da empreitada poderia ditar "a falência" da sociedade promotora e "a inutilização de todo o investimento, público e privado, já efectuado". E, ainda, que "as obras embargadas" e os prédios abandonados e/ou semi-acabados "constituem uma fonte e um pólo de atracção de curiosidade e de criminalidade".
Nesta providência cautelar, os autores alegavam que as licenças eram ilegais porque o terreno em questão se insere na Rede Natura 2000 e porque a aprovação do projecto não foi precedida da obrigatória autorização prévia do Parque Natural da Madeira (PNM). Advogavam igualmente que as normas do Plano de Ordenamento do Território da Região, do Plano de Ordenamento Turístico e do Plano Director Municipal de Machico eram violadas. Além disso, afirmavam que o empreendimento, beneficiário de apoios europeus por ser considerado green hotel, desrespeitava o princípio da prevenção ambiental.
Juiz confirmou ilegalidade
O tribunal deu como provado que o terreno em questão fica em local da Rede Natura 2000 e insere-se em área afecta ao PNM como "reserva natural parcial". Reconheceu ainda que "faltou o parecer prévio da Secretaria dos Recursos Naturais" e que "tudo indicia ter havido omissão do PNM", que "deu um parecer favorável em 1999, mas o mesmo não se referia a esta edificação", e depois "agiu com base em estranhos "nim"".
Mesmo assim, o juiz optou por não decretar o embargo da obra, por concluir que "os interesses privados e públicos turístico-económico-sociais do empreendimento suplantam notoriamente os raros e vagos danos ambientais invocados e provados".
Baltazar Aguiar, advogado e líder do PND (partido apoiante da acção popular), anunciou que vai avançar com um processo para a demolição da Quinta do Lorde, depois de o tribunal ter inviabilizado a providência cautelar para a suspensão da obra. Revelou ainda que vai recorrer da sentença proferida no procedimento cautelar, alegando que a construção viola legislação da Rede Natura 2000 e que o despacho e licenciamento da construção não têm autorização prévia do Parque Natural.
O facto de parte do resort Quinta do Lorde, nomeadamente a piscina e a zona comercial, ter sido construída em zona do domínio público marítimo, cedida pelo Governo Regional sem que para tal tenha competência, como o TC agora confirmou, poderá ser outra das ilegalidades a invocar no recurso.
(Com a devida vénia ao Jornal Público)
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